quinta-feira, 24 de junho de 2010

Relógio

Não era tempo disso, não era tempo daquilo. Não era tempo. Lia na Bíblia que há tempo pra tudo. Mas não, ali não havia tempo. Meu relógio estava parado, meu copo na metade como quando o tempo parou. Não sabia que horas o tempo havia parado. Tinha na parede um relógio com o mesmo tempo que o meu relógio mostrava. Mas não ia alem, nem aquém, todavia estava lá, pra mostrar que estava parado. Uma senhora ao meu lado se definhava, tinha belas pernas que pra elas o tempo não passava, mas sempre que descia os olhos e subia à face novamente o tempo passava no rosto, olhava o relógio e não, não saía do lugar. Os ponteiros cretinos esperando a correção do relojoeiro, um faquir ao lado, esperando o tempo passar pra que mais um quilo fosse pro limbo. O tempo não me era amigo, eu não tinha amizade com quem me acabasse com o decorrer dos dias, é loucura ser aliado do que lhe envelhece, não havia o que se pensar, nem a maturidade se alcançava, não havia nada pra absorver, minhas pernas não se mexiam, meus olhos sim, olhavam tudo o que pudesse ser visto naqueles noventa graus oculares e eu desesperado pra tomar meu conhaque, o tempo não passava, eu não estava bêbado quando o tempo parou, era meu primeiro copo, não sabia como iria lidar com isso, o tempo parado, sem movimento e eu são. Mas a vida passava, aquela mulher se acabava, rugas por toda a face, os lábios caíam aos poucos, os peitos, as pernas continuavam impecáveis. O que era afinal? Um velho passou por mim, como ele conseguia andar? Como ele conseguia estar com aquele copo na mão? Uma cerveja, duas, três e conhaque à revelia. Eu só queria mais um gole. Mais uma punheta. Mais uma trepada com aquela tia das pernas lindas e do rosto feio. Qualquer coisa que fizesse me sentir envelhecendo mais com prazer. Mas não, estávamos ali, o rosto dela começou a pingar, escorria pelo chão e eu assustado com aquilo, quem era aquele velho sacana? Só ele aproveitara até o fim. Eu me senti pingando, minhas pernas foram se esvaindo, a pele branca e os pentelhos ruivos percorrendo o chão e eu não via mais os relógios.

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