segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Cocaína!

Era uma saga, uma relação contínua, era maior que qualquer livro eterno, era uma luta pela libertação do vício das drogas. Era enfim uma guerra nas biqueiras. Lembro que enchia a cara e antes disso dizia: não usarei esta coisa novamente, mas era inevitável, meu nariz pedia, meus olhos ferviam, meu humor mudava, minha vida insana vinha à tona e eu era só feliz se pegasse três ou quatro, colocasse uma inteira na mesa, esticasse a fileira e vruuunnnn, mandasse tudo para o cérebro, a parada era louca, eu sentia bater um tuín, era como um trem descarrilhado no cerebelo.
Tinha uns 48 anos, eu era um homem formado fisicamente, era um pré-velho, minhas mãos tremiam, minha boca se mexia, era como se quisesse morder a orelha, minha visão deturpava, entrava nos bares, bebia cerveja, olhava as mulheres, não era mais o comedor da adolescência, a cocaína havia enfim acabado com a minha estima viril e sórdida, era extremamente desprezível. Não tinha dinheiro pra muita coisa, tomava cervejas e conhaque, quando era menino tomava corote, barris de pinga mínimos, eram eles que me acompanhavam, depois conheci o conhaque, me mantive ali, era o primo pobre do uisque, eu adorava uisque, mas não tinha dinheiro pra eles. Sempre que me lembro no começo do mês me esbaldava em beber e cheirar, afinal, havia dinheiro. Mas da segunda semana em diante, meu vício virava nóia, arrumava um jeito de ganhar dinheiro ou cerrar o pó alheio. Comecei a trabalhar estabilizadamente, ficava nos empregos por pouco tempo, era um homem forte, viril, arrumava mulheres facilmente, lembro-me da ruiva que conheci numa estação de trem, eu estava louco, maluco, tinha cheirado pela noite inteira, levei-a pra um hotel, ela reclamou do estado do hotel, trepamos, acho que fui mau com ela, ela reclamou da minha lascívia, diz que fui intempestivo, ela queria carinho e eu porrada, acabei gozando na cara dela, ela não gozou comigo, levantou-se, foi embora, não me deu telefone - eu pouco ligava se me desse - sabia que arrumaria outra logo ali na esquina; isso veio tudo surgindo e saltando à minha mente de velho, olhei pro lado, vi uma moça bonita, uma morena tão bela quanto a mineira que daria minha vida que um dia houve na realidade ou na mentira que existi, que existiu, fui lá e disse:

- hei, quer sair comigo hoje? - segurei pelo braço dela, ela levantou-se.
- você vai me machucar, me solta, seu velho. Obrigada. Seu nariz tá sujo.

Olhei pros lados, todos me olhavam, não sabia que lugar era aquele, se pertencia aquele lugar, tirei outro pó do bolso, filei na mão, cheirei na frente deles. Alguem me pegou no braço, disse que ali não era lugar, me jogou na calçada, me deu três chutes, chamaram a polícia, corri, corri, corri, suava feito sudorese, meu corpo em chamas, não havia puteiro por perto, entrei numa igreja, um pastor falava, mas nada que eu entendesse. Fui pra casa, fechei a porta, dormi no único comodo, num único colchão no canto, molhado de mijo, mais um dia pro meu cartel de ilusões - era dia, ansiava pra que anoitecesse novamente, era mais um dia que eu não tinha esperança de acordar morto, visto que não dormiria. Queria drogas, mais drogas, mas durante o dia não havia boca, rezava aos céus pra que anoitecesse, eu tremia, minha boca tinha gosto de sangue, os chutes dos rapazes do bar me doíam, eu não iria voltar lá.