domingo, 14 de abril de 2013

Cervejas, tilintares e aquilo que chamamos de amor.

    Acordara durante alguns dias indisposto. Era um final de ano e isso era como se não houvesse mais fim. Aquele clima chato de pessoas à espera de festas e churrascos e cervejas e uma ameaça de morte no telefone. Aquele tilintar angustiante dos aneis de latas de cervejas que se faziam barulhentos como se estivessem se despedindo daquela vida perversa que levara durante 28 anos. Amigos preocupados com sua provável morte e um homem a dizer: você não terá muito tempo, vou te pegar. E eu lá, à espera do que era inevitável. Bebia conhaques e cervejas. E era tudo.
    Você pode passar anos pregando permissividades luxuriosas e se divertir com elas. Tendo mulheres em que minutos depois esqueceria para sempre. Fazer listas de quantas pessoas levou para cama e se orgulhar por esquecer dezenas delas. Não havia leucotomia que desse jeito naquele silêncio sufocante dos finais de semana em que não sabia pra quem ligar, muito menos havia alguem que te procurasse. O silêncio do telefone era tão dolorido que nem o despertador ativado era pontual. Era você, ali, um homem sem escrupulos e cheio de culpas. As mulheres da tua vida ou da paralelidade daquilo que chamara de vida, acreditavam tambem, com muito afinco e fé, que sua morte enfiaria milhares de tridentes no seu rabo e isso as emocionava e felicitava.
    Eis que num estado fisico de matéria, sua vida gasosa para solida, nesse estado de sublimação peculiar, aparece um par de olhos daqueles e seu coração dispara e suas cervejas tomam gosto e nada-mais-parece-estar-morto-ainda-que-sua-vida-esteja-sob-ameaça-perpétua-de-um-cretino-tambem-quase-morto. O telefone lhe faz companhia, há um som forte e claro no fim do tunel musical. E Mahler volta com a sua mais bela sinfonia e tilinta bonito dessa vez. Cada prato da orquestra se compassa com o anel da cerveja e você dança com aquele par de olhos o que nunca antes lhe foi tão dançante. E a vida renova e você não se parece mais com um Mort Rainey à espera de matar o que lhe ameaça. Viver lhe basta e isso é tudo. Uma cerveja, alguns dias de musica, uns projetos de medo. E: você quer se casar? - Sim, eu quero. E acordar ao lado dispensa qualquer telefonema. Amor, prepare nossa cerveja que hoje vamos tilintar a casa inteira.