Fazia as coisas se aprofundarem mais divinamente, era de fato uma das minhas qualidades, minha imaginação fluía lentamente, como quem quisera conquistar o cabo das tormentas. E se deus não se fazia presente, era minha vez de abençoar a água que pungia minha vida de esperanças: a cerveja.
E todas estavam presentes ali, na minha frente, qual quisesse, entre o amor e a alma, o dilúvio no navio era quase que um dos destinos de Hitchcock. Há muito tempo não pensava em nada que pudesse desfazer minha sensação anestésica, as mulheres, as dividas, o sexo, a dor do corpo, mas chegava uma hora que bastava extirpar e extirpar a mim era a única coisa que não sabia fazer divinamente. Falta de coragem, talvez.
E bebia, a mesa cheia de garrafas vazias e eu pedia mais, e o garçom, muito meu amigo, trazia duas e cobrava uma, ele sabia o que eu passava, na verdade ele havia me dito que fazia isso porque tinha raiva do dono do bar, mais tarde descobri que o dono do bar era ele mesmo. E pensava que todas as pessoas, todos os seres humanos, tinham nojo de si mesmos em algum momento na vida, fosse pelo que fosse e fazia questão de cutucar a ferida pra que a coisa fosse mais realista. Você pode passar pela vida tocando sinos, ouvindo sermões, tentando seguir uma vida mais confortável e ter à frente um motivo pra acreditar que essa clausura é incontestável porque tens o céu logo adiante. Entre o inferno e o céu, qual? Ou você pode simplesmente esquecer tudo isso, deixar de lado, sentir-se bêbado pela cerveja que foi criada pelo homem mais filho-da-puta do mundo e que devo agradecê-lo até a morte. Sentir-se feliz pelas mulheres que desfilam nuas à sua frente na zona que freqüentas desde os seus dezoito anos e cada semana tem uma mulher diferente à sua espera. Você tem que passar a vida com seus problemas, é inevitável, porem, entre martirizar-se à espera do perdão divino e aproveitar enquanto há tempo na sua única chance de viver pra ser o que és de fato, o que fazes? Eis seu “eterno retorno” e Nietzsche há de concordar com essa ladainha dos infernos.
3 comentários:
Falar que gostei é pouco,mas acabei de chegar e estou cansada,preguiça ate de escrever.
então,gostei!
sou sua leitora assídua,sempre encontro bons textos por aqui.
beijos
Alguém disse, noutra postagem, que tens um 'blá blá blá de homem chato', concordo. Concordo e digo mais: chato-e-rabugento, de reclamar da vida ninguém escapa. Queria um amigo assim, a sorte não vem pra quem quer, fosse comigo, cogitaria até o fim os motivos da cerveja dada, por isso é melhor nem pensar mesmo, nem nos problemas, nem nas dívidas e muito menos nos fantasmas que cada um carrega vida afora, muito mais vivos que nós.
Eu já quis o céu, já o senti muito perto enquanto me privava de assumir que ser humano é um ciclo vicioso de idas e vindas inconscientes ao erro. E, se alguém me perguntar o que mudou longe da igreja, da dedicação e do temor extremo, responderei: nada. No fim das contas, tem sido até mais divertido hoje, sem querer saber de céu ou inferno, encaro as provações como únicas, quando se tem a rotina de um purgatório diário, cair a cada nova tentação é também uma forma de redimir-se.
Canso rápido de ensaiar meu existencialismo, vou deixar para exercitá-lo depois, talvez precise beber um pouco (muito) também, pois um bêbado nietzschiano, acho que nem eu aguento. :P
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