Ela havia acordado num dia diferente de todos os outros. E pensava que ali, aquele momento, num domingo o acaso lhe seria mais grato que o normal. Era vaidosa, tinha mais de 300 tipos de esmaltes, creme pras mãos, cabelos, tinha um espelho grande no quarto, era a fim de soluções diversas pros cabelos, agora, estava dourado. Pintou as unhas com um vermelho inconfundível, abriu as mãos, olhou bem e pensou: muito puta? Claro que não. Depois do banho, uma espichada de Poivre Caron, lingerie negra, mais que provocante, um vestido roxo, uma bela analisada no decote e se diz gostosa o suficiente pra enfrentar o acaso. Frente ao espelho, olha pro teto, como se acreditasse em deus o suficiente pra agradecer pela beleza que houvera feito.
Ele liga pra ela, e diz que não está bem, mas ela não precisa se importar, ela pede pra dizer o que acontece, ele diz que não está bem, e não sabe muito bem de onde vem e que pensar efusivamente tem condicionado o coração a bombar no mesmo sentido. E que ela é apaixonante, que seu cheiro de baunilha vara as madrugadas acompanhado no vento sulista e blablabá e ela desliga o telefone pra não ouvir nada que pudesse desfazer o acaso. Ele ouve o tun-tun-tun como se fossem passos de um bicho na floresta vindo aterroriza-lo, não faz sentido, bebe mais um pouco de uísque, acende um cigarro, sente o corpo fedido, lembra de não tomar banho há três dias e que ela faz tanta falta que parece que já faz parte do passado enquanto azvanour toca “she” no lado oposto do long play e ouve o barulho dos riscos mas que tanto faz também porque agora-é-a-hora-que-deus-castiga-pelo-tormento-do-amor-aquele-que-desdenhou-tanto-tempo-mulheres-em-troca-de-conhaques.
Ela chega na temakaria, ouvira no táxi que estava bela demais pra estar desacompanhada, mas não esquecera que o acaso estava preparando algo, e que algo seria mais que uma companhia boa e um salton. Comeu um shimeji, limpava delicadamente com guardanapos pra não tirar da boca o desenho que o batom havia feito divinamente, o garçom simplesmente adorava aquela que estava ali sentada, com olhos brilhantes à espera do acaso. Telefone toca e ela olha, pensando que pode ser o idiota novamente querendo se declarar. Atende a fim de exalar menosprezo, mas não, é outro, ela o convida, ele aceita, o acaso estava firmado. Quando chega, senta ao lado dela, da-lhe um beijo no canto da boca, ela olha no espelho pra ver se manchou, sente a calcinha umedecer, pensa no que estava ruim ao telefone, sacode a cabeça, como um gesto possível de esquecer algo que angustia, chama o rapaz pra sair dali, ele diz querer um temaki antes, ela fala que depois, vão pro quarto dele, cheira sexo, bebidas e cigarros, ela o ama, como se fosse o acaso, lisonjeando e o adorando pela chance do prazer, ouvindo save your scissors do Dallas Green que o ouro havia apresentado, mas que agora este lhe estocava unicamente um pinto, que era o único sentido que ela queria naquele domingo.
Acordou dolorida, ressacada e com um gosto de cogumelos na boca. Que shimeji delicioso aquele – refletia, enquanto abria o sorvete corneto que gostava e se deliciava como se fosse criança. E se lembrava d’Ele, com dó, por ter enchido a cara, ouvido Aznavour e ter tido à fora a chance de ter se entregado ao amor, que ela preferia nomear de acaso. Ele fuma o ultimo cigarro, bebe o ultimo gole de uísque, quebra o Aznavour e dorme durante o dia, mais um, sem tomar banho.
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