Ela tinha suas pernas brancas. E entre as pernas, tinha os joelhos mais belos. E um pouco acima dos joelhos, coxas, suas coxas eram brancas, era de um lugar calorento, ensolarado, as pessoas tinham mais cor que ela e quando se olhava no espelho, o que se refletia, nao era o que imaginava que se pudesse ser refletido.
Você poderia reparar em suas coxas, em sua cor branca, em seus cabelos amarelados, talvez ali dentro dela, havia algo mais escuro que seus olhos negros. Mas o que tangia sua vida era um emaranhado de cores mortas, era um emaranhado de desavenças com o ego, era uma mulher tão linda, subterfugiada de seus gostos péssimos, uma música detalhada lhe dava asco.
Hernandéz viera de Cusco, e quase nao falava sua língua, encontrara-se com Carla num beco qualquer e como uma lasca de desespero lhe esvai uma cantada falível: mira que guapa. E Carla vira os olhos, como se vivesse à espera de um mirabolante príncipe basco e nao precisa de mais nada a não ser uma noite de sono, longe de espelhos e de cantadas obtusas.
Henandéz por sua vez, procura mulheres, paga por três delas, se enfia num quarto, trepa até amanhecer e ao meio-dia é encontrado morto. Era o segundo caso de turista morto por prostitutas aquela semana. Uma terça-feira.
Carla acorda, ouve por terceiros o caso do turista. Aquela cidade estava realmente violenta. Pensa em sua carreira, Carla é modelo, pensa em ir embora pra outra cidade, pra outro país, lembra-se de outros casos pífios e violentos tambem em cidades vizinhas, países distantes, quebra seu espelho, lembra-se da cantada de Hernandéz e por sua incólume ávidez pelo desdem que poderia, anversa fosse, ter salvado o turista safado. Abre a janela de seu apartamento, coloca Wagner na sua vitrola, olha a rua, tira a roupa, sobe no parapeito e vê um homem todo de preto na praça, olhando seus seios, suas coxas e lambendo os beiços. Não eram as cidades que estavam violentas, nem os países vizinhos, nem os continentes. Havia ali uma constatação: as pessoas é que se traem, se matam e se deliciam ao palpar a morte. E enfim, Carla voa.
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