segunda-feira, 22 de março de 2010

Il Gladiatore - Pavarotti!

Um domingo, um jogo na tevê, novamente um ótimo futebol, mais uma derrota, talvez eu gostasse desse lado sofrível, afinal, sempre torcia pro vilão, porque tinha certeza que sempre morreria ao final, eu me identificava, visto que não havia ninguém que me amasse por aí, a não ser eu, com muito esmero.
Ouvia Pavarotti – Il gladiatore! Era como se não precisasse de mais nada, só algumas cervejas, só a televisão ligada sem som, só a companhia de um amigo que ficava quieto, levantei-me e saí, fui ao bar, deixei o amigo em casa, a televisão ligada e o Pavarotti ainda ressoava nos meus ouvidos, olhei pro lado e lá estava ela, aquela que um dia tinha sido um ótimo gosto meu – “e giustizia sarà fatta per tua mano” – era uma delicia, trepava muito bem, bebia tanto quanto eu, mas havia virado puta, dizia que se era pra dar de graça, era melhor cobrar. Eu apoiei, desde que continuasse me dando de graça. Lembrei-me do passado, do presente, esquecia sempre do futuro, eu queria que ela me desse a ultima vez, eu tinha um pressentimento de morte, estava muito acabado, tossia sangue de meia em meia hora, fumava de cinco em cinco minutos, bebia o dia inteiro, esquecia de dormir, descansar, não precisava mais disso, tinha que aproveitar o restante dos dias. Sentei ao balcão, simplório, inefável, desce-me o conhaque, bebo o primeiro, o segundo, o terceiro, a garrafa, duas, três, levanto-me tonto, acendo um cigarro, não consigo dar o primeiro passo, tusso, pego um lenço de papel, passo na boca, limpo o sangue, dou o primeiro passo, me apóio n’uma mesa ao lado, seguro uma cadeira, faço de andador, paro, tusso novamente, mais sangue, é desesperador o momento, continuo, olho pra ela, ela me vê, se levanta, não consigo mais andar, vem até mim, com passos curtos, cigarro na mão, copo de cerveja na outra, meu cigarro ainda aceso, com uma ponta grande de cinza, cabelos negros, pele branca, batom vermelho na boca, vestido com decote grande, está mais gostosa que nunca, rebola até mim, todos do bar olham, ouço um comentário: será que ela vai falar com aquele cara bêbado, fedido, à beira da morte, como pode uma mulher dessa dar atenção a um cara daquele?. Continuo um passo à frente, ela caminha mais um passo, não estamos tão distantes, nos conhecemos exatamente naquela mesa que está com outro homem, ficamos, namoramos, moramos juntos por dois anos, ela dizia que me amava, eu dizia que não existia o amor, o amor não existia, trepávamos todos os dias, ao menos três vezes, jogávamos pôker por dinheiro, sempre, quando não, trocávamos por sexo, com outros casais, tomávamos ao menos um litro de vodca por dia, ela era apaixonada por isso, não sabíamos data de aniversário um do outro, nem idade, nem nome, chamávamos-nos por apelidos, Cass eu a chamava em homenagem ao conto que eu mais gostava, Romeu chamava-me ela, por ser apaixonada pela bicha do Shakespeare. Continuou em minha direção, passou por mim, deu-me um beijo no rosto, foi ao bar, pediu vodca, passou novamente por mim, disse-me: em sua homenagem. E voltou à mesa. Sentei na cadeira que fazia de andador, cansado, tossindo, mas feliz da vida porque ela ainda se lembrava de mim. Quando ela me largou disse que não poderia ficar com um homem que não falava sobre amor. Acho que eu a amava, amava o suficiente pra me contentar com pouco.

Um comentário:

Kellen disse...

Tossir sangue, definitivamente, não é legal...
Muito bom :)