Alguém há de dizer que são palavras fortes, mas tamanha é a força do texto de Téo e do seu grito, que não haveria como dizer deles, se não fosse com força. Se você é capaz de enxergar a ternura encoberta pelo mito do forte que tem medo de que percebam sua doçura, então é capaz de amar este blog. por Ana da Cruz.
segunda-feira, 12 de outubro de 2009
Cocaina II
Na verdade a coisa era muito mais real que pela manhã, meus olhosinchados, a boca cortada, dor de cabeça, eu poderia viver mais uns dias assim, mas não suportava, viver superava minha expectativa da morte e isso me matava psicológicamente.Enquanto o mundo rodava, meus olhos estavam vermelhos, peguei um caderno,tentei escrever alguma coisa, mas eu nunca achei bonito o azul no branco,sempre preferi um verde, talvez pelas cores do meu time, eu era fanático por aquele jogo, ia sempre ao estádio enquanto moleque, participava das torcidas, adorava brigas, adorava vê-las, brigar não era comigo, eu era forte no pensamento, mas era todo desajeitado pra brigar, preferia cheirara qualquer outra coisa, preferia beber a defender meu time de outros idiotas que torciam pra times mais idiotas ainda. Não consegui escrever.Havia recebido uma proposta de uma editora, pra lançar um miniconto,alguma desapropriação do meu eu, publicar à revelia o quão tóxicos eram meus pensamentos e ludibriações.Fui ao bar, pedi um conhaque, tomei numa virada só. Olhei no bolso, haviao cartão do banco e mais alguns trocados em moedas, aquilo daria somente pra comprar mais uma dose de conhaque, pensei em pedir fiado, mas fazia pouco tempo que eu estava ali, havia sumido do outro bairro, porque abri conta no bar e não paguei, deixei de pagar dois meses o aluguel.Meus 48 anos me traziam uma alma pesada e a esperança de um bom jazigo quese fazia breve.Na fila do banco esperei dois rapazes que estavam na minha frente,tentaram tirar um dinheiro, não conseguiram e foram embora. Fui, vi que tinha pra dois, DOIS, era incrível, fazia tempo que eu não pegava tão pouco pó, fui à boca, peguei dois pacotes minimos da droga, de no máximo um grama cada, ainda menos talvez, ali mesmo na boca deis alguns passos à frente, peguei a carteira, abri um papelote, coloquei inteiro e cheirei.Meu alívio subia pelas pernas, era como um corpo em chamas que se jogasseao mar e eu insistia em desdizer ao mundo o que diziam, de fato a droga não me fazia mal ou talvez eu não visse o maleficio com tanto esmero. O mal da cocaína era relativo. Fui ao bar, já anoitecia, meu time jogaria, o Palmeiras me faria feliz, era quase campeão, faltavam poucas vitórias pra congragulação. Talvez ali, no auge da velha idade era eu e o Palmeiras se ganhasse era motivo pra comemorar - ia na boca e pegava dez - se perdesse era motivo pra esquecer - ia na boca e pegava vinte.Fui ao bar, sentei, pedi um conhaque - dinheiro ainda era escasso -assisti ao jogo todo com um copo de conhaque somente, Palmeiras havia ganhado novamente, a torcida vibrava, o time jogava como raras vezes jogava, era meu motivo de felicidade. Fui ao banheiro, coloquei mais uma carreira cheirei pela vitória e em homenagem ao time. Estava bem, feliz,sorridente, ao sair um rapaz me disse: Tio, seu nariz tá sujo, cara.Limpei, sorri feliz e segui adiante. Fui pra casa, não hesitei agora, com coragem, em pedir uma conta no bar o dono não gostou muito da idéia, mas talvez por eu ser novo no lugar ele queria me dar as bem-vindezas e aprovou meu crédito, tomei mais dois conhaques, quatro garrafas de cerveja, cheirei o restante do pó e fui pra casa, ao chegar por lá, a vizinha da casa de baixo estava prostrada na janela, fumava um cigarro, me olhou com cara de vagabunda, dei boa noite, perguntou se eu tinha companhia, falei que não precisava. Fechou a janela e nunca mais olhou na minha cara.
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Um comentário:
Ler do terceiro pro primeiro foi incrivel.Curti.
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